'Beba, Beba O Néctar Da Minha Mãe'

Cenas traduzidas da peça de Sri Chinmoy sobre Sri Ramakrishna e Swami Vivekananda, "Drink, Drink My Mother´s Nectar".

Nas cenas iniciais desta peça, Swami Vivekananda chamava-se "Naren".

Beba, Beba o Néctar da Minha Mãe

CENA 1 – DEUS NÃO EXISTE

PERSONAGENS:
Naren
Bhavananda
Bhupen, irmão mais novo de Naren

(Naren medita em seu quarto. Bhavananda entra.)

NAREN (levantando-se): Entre, por favor, entre. Fico muito feliz em vê-lo, pois não o vejo há tempos, e tenho muitas coisas para discutir com você. A primeira coisa que gostaria de perguntar a você é isto: Deus existe, irmão? Parece a mim que Deus não existe. E, mesmo que ele exista, não faz diferença para mim. Ele nunca escuta, nunca sente as dores excruciantes dos pobres. Ele nunca sente o sofrimento da humanidade que sangra. O Deus que não pode dar um pedaço de pão aos famintos é um Deus indiferente, um Deus cruel. Quem acredita que, no outro mundo, poderá obter toda a alegria, toda a satisfação vinda deste tipo de Deus?

BHAVANANDA: Naren, você ficou maluco? O que há de errado com você? Que besteiras está dizendo? Por que fala desse jeito?

NAREN: Por que não? Por que não? Você sabe, irmão, o que aconteceu nessa manhã? Ao acordar, cedo pela manhã, eu entoava o nome de Deus com toda alma. Então, a minha mãe me disse: “Cale-se! Desde a sua infância você esteve rezando a Deus e meditando em Deus. E, agora, veja o que Deus fez conosco. Seu pai deixou o mundo, e o desconsolo, o sofrimento e a pobreza nos abraçaram. Não temos comida, nem dinheiro, e nem como sustentar a família. O meu coração se partiu em pedaços. Não posso nem mesmo alimentar os meus pequenos filhos, as minhas doces crianças. Eu não quero nada com um Deus que não possa levar embora os nossos sofrimentos.” Agora me diga, irmão, o que direi à minha mãe?

BHAVANANDA: Naren, não devemos procurar defeitos em Deus. Se o fizer, alguma séria calamidade poderá acontecer em sua família. Estou avisando-lhe.

NAREN: Eu não tenho medo de nada. Que a pior calamidade aconteça! Não estou nem aí, eu não me importo.

BHAVANANDA: Naren, por favor, visite Thakur de tempos em tempos. Thakur ficará muito triste em saber o que está acontecendo na sua vida. Ele é o único que será capaz de consolá-lo.

(Bhupen entra)

BHUPEN: Irmão, por favor traga alguns doces para mim hoje. Eu gosto tanto de doces; por favor, não esqueça.

NAREN: Por favor, Bhupen, não me importune. Estamos tendo uma conversa muito séria. Por favor, vá embora; por favor, vá, Bhupen. Não nos incomode justamente agora.

BHUPEN: Eu irei, mas primeiro você deve prometer que trará doces para mim. Você tem de trazer, sem falta.

(Bhupen sai)

NAREN: Então, irmão, você vê? Eu sou o irmão mais velho dele e não serei capaz de satisfazer seu amável pedido. Eu não tenho dinheiro algum, nem mesmo para comprar um doce para ele. Aquele que não pode satisfazer um desejo assim simples de seu irmão mais novo não merece ser chamado de irmão mais velho. Sua vida é uma verdadeira desgraça. Por que, então, eu deveria preocupar-me com Deus? Nós hindus adoramos deuses de pedra, e as,sim, o nosso Deus ficou com um coração de pedra.

BHAVANANDA: Não diga isso, Naren. Deus é todo Compaixão. Percebo que o que dizem de você é verdade. Você se tornou um ateísta.

(Bhavananda sai)

NAREN: Um verdadeiro amigo, de fato! Ele veio para me testar. Não veio para mostrar a sua preocupação, mas, sim, para saber que tipo de vida estou levando. Ele não veio como um amigo, mas como um crítico, como um espião, como um detetive. Não, eu não mais visitarei Thakur. (pausa) Ai! O que estou fazendo? O que estou fazendo? Não é a Deus-realização o único objetivo da minha vida? Ganhar dinheiro e alimentar a família nunca poderá ser o direcionamento da minha vida. Eu devo renunciar ao mundo. Não existe outro modo. Devo renunciar ao mundo e buscar Deus. Não há outro modo.

(Naren canta)

Tamasa rate nayan pate
Herile jadi amar pane
Apan kare amai laho
He dayamoy karuna dane
Tomar ami abodh shishu
Ekla chali gahan pathe
Duhate more jariye dharo
Bhasiye jena na jai srote
[In the dark and dense night,
You cast Your benign Eyes upon me.
Take me and make me Your very own,
Offering Your Compassion.
I am Your innocent child.
Alone do I walk on a thick, dense path.
With Your two Arms, embrace me.
Allow me not to be drowned and washed away
By the turbulent currents of life.]
[Na negra e densa noite,
Você pousa em mim Seus benignos Olhos.
Tome a mim e faça-me Seu,
Oferecendo a Sua Compaixão.
Sou a Sua criança inocente.
Sozinho caminho numa densa, fechada estrada.
Com Seus dois Braços, abrace-me.
Não permita que eu seja afogado e carregado
Pelas turbulentas correntezas da vida.]

CENA 2 – O MEU NAREN NÃO PODE NUNCA TER SE TORNADO ATEÍSTA

PERSONAGENS:
Sri Ramakrishna
Rakhal
Bhavananda
Tarak
Jogin
Outros discípulos
Naren

(Em Dakshineshwar, Sri Ramakrishna está com seus discípulos.)

RAKHAL: Você soube de alguma notícia recente sobre o nosso Naren? Todos estão falando mal dele. Dizem que ele se tornou um ateísta. Mas eu não acredito.

BHAVANANDA: Você não acredita? Eu suspeito dele. Nessa manhã estive em sua casa. Ele fala como um verdadeiro ateísta.

SRI RAMAKRISHNA: Cale-se! Cale-se! Minha Mãe Kali me disse que isso nunca poderá acontecer. O meu Naren não pode nunca ter se tornado ateísta. Se uma vez mais ouvir de vocês que o meu Naren se tornou ateísta, eu nunca mais verei as suas caras. Nunca mais!

TARAK: O nosso Naren não pode nunca ter se tornado ateísta. Eu o conheço.

JOGIN: É impossível! Nosso Naren não pode nunca ter se tornado ateísta. Mesmo que eu veja algum defeito nele, eu não acreditarei. Pensarei que o problema está nos meus próprios olhos. Se ouvir qualquer coisa ruim sobre Naren, sentirei que o problema está nos meus próprios ouvidos. O nosso Naren não pode nunca fazer nada de errado.

TARAK: Certamente, certamente. Essa deveria ser a nossa postura. Ele é nosso verdadeiro amigo. O nosso Naren é puro. É algo muito raro um caráter como o de Naren.

SRI RAMAKRISHNA: Excelente, excelente. (Aponta para o próprio corpo.) É por Naren que eu vim para o mundo. Tentem reconhecê-lo. Um dia ele conquistará o mundo todo. Eu vejo no Mestre espiritual Keshab Sen apenas um sol-conhecimento. Porém, no meu Naren, eu vejo dezoito sóis-conhecimento.

(Naren entra. Ele faz reverência a Ramakrishna. Ramakrishna coloca a mão na cabeça de Naren.)

SRI RAMAKRISHNA: Que a Mãe o abençoe.

NAREN: Hoje eu tenho um pedido especial.

SRI RAMAKRISHNA: E existe algum pedido seu que eu não iria satisfazer?

NAREN: Por favor, realize este pedido. A minha mãe e as minhas irmãs e irmãos estão praticamente morrendo de fome. Ficamos absolutamente tomados pela pobreza. Depois da morte de nosso pai, todos os familiares se voltaram contra nós. Agora, a minha família não tem como se sustentar. Eu sou o membro mais velho da família e não posso fazer nada por eles. Se você fizer um pedido especial à Mãe, para que me salve dessa dificuldade financeira, Ela o ouvirá. Estou certo de que se você pedir à Mãe, Ela certamente escutará o seu pedido.

SRI RAMAKRISHNA: Naren, eu estou pronto para pedir de porta em porta por você. Você acha que já não falei com a Mãe sobre você? Mas o que eu posso fazer? Você não acredita Nela, e é por isso que Ela não dá atenção alguma ao meu pedido. Está certo. Eu tenho uma idéia excelente. Hoje é terça-feira. Vá hoje ao Templo da Mãe Kali e invoque-A. Faça orações para Ela. O que você quiser, eu garanto que Ela lhe dará.

NAREN: Tudo bem. Hoje eu testarei a sua Mãe com coração de pedra, Thakur.

SRI RAMAKRISHNA: Minha criança, não diga isso. Ela não tem um coração de pedra. Ela é toda Amor. Ela é toda Compaixão.

CENA 3 – MÃE, CONCEDA-ME A LUZ DO CONHECIMENTO, A LUZ DO DISCERNIMENTO E A LUZ DA RENÚNCIA

PERSONAGENS:
Naren
Sri Ramakrishna
Discípulos de Sri Ramakrishna

(É noite. Dentro do Templo de Kali, Naren medita. Após um certo tempo, ele se prostra diante da estátua da Mãe Kali.)

NAREN: Jnana viveka vairagya de ma. Mãe, conceda-me a luz do conhecimento, a luz do discernimento interior e a luz da renúncia, para que eu possa sempre ver Você.

(Sri Ramakrishna entra apressadamente.)

SRI RAMAKRISHNA: Naren, você pediu à Mãe dinheiro para a sua família? O que esteve fazendo!?

NAREN: Que surpresa! Eu esqueci completamente.

SRI RAMAKRISHNA: Não faz mal. Eu darei a você uma outra chance. Peça dinheiro, peça a Ela riqueza material. A Mãe concederá a você.

(Naren se volta para estátua e começa a meditar novamente.)

NAREN: Mãe, conceda-me a luz do conhecimento, a luz do discernimento e a luz da renúncia. Mãe, minha Mãe, Mãe e do meu coração e da minha alma.

SRI RAMAKRISHNA: De novo a mesma coisa? Por que você esquece que sua mãe e seus irmãos estão passando fome? Peça à Mãe, peça que Ela salve a sua família da pobreza. É a única hora em que eu posso pedir isso à Mãe. Não serei capaz de dar a você a mesma oportunidade todos os dias. Eu estou pronto para oferecer a você a qualquer momento, mas a Mãe não permitirá. Hoje, eu prometi a você, porque a própria Mãe me prometeu que satisfará suas preces hoje, não importa o que você peça a Ela. Agora você perdeu a sua segunda chance. Porém, eu quero dar a você mais uma chance. Por favor, meu filho, desta vez não se esqueça. Lembre-se de que deve pedir à Mãe riqueza material. É o que você precisa. Neste justo momento você não precisa de riqueza espiritual.

NAREN: Não, eu não quero mais chances. Não preciso de riqueza material. Eu quero o Néctar oriundo da Mãe, e nada mais. Não pedirei abóboras e cabaças. Eu posso apenas pedir fruto-Néctar.

SRI RAMAKRISHNA: Já que você não pode pedir riqueza material e prosperidade à Mãe, eu gostaria de dizer que você nunca terá uma vida confortável. No entanto, de agora em diante, você será capaz de dar um jeito. Você e sua família não passarão fome. Sempre terão algo para comer. A Mãe fará isso por você. (Ele grita.) Venham, todos aqueles que estão por aqui! Não importa onde estejam, venham! Todos os meus discípulos, venham!

(Os discípulos entram.)

SRI RAMAKRISHNA: Vocês disseram que o meu Naren havia se tornado um ateísta. Vejam! Ele não consegue pedir riqueza material à Mãe. Em lugar algum na Terra vocês encontrarão alguém que se equipare ao meu Naren. Ele é o líder de vocês. Ele os guiará e conduzirá. Ele os resguardará. Este meu corpo está terminando o seu trabalho, e logo pertencerei ao outro mundo. (Para Vivekananda) Naren, minha criança, cante uma canção. Eu meditarei enquanto você canta.

(Naren canta. Sri Ramakrishna medita em transe profundo.)

Sundara hate sundara tumi
Nandana bana majhe
Nishidin jena antare mor
Tomari murati raje
Tumi chhara mor nayan andhar
Sakali mitthya sakali asar
Chaudike mor bishwa bhubane
Bedanar sur baje
Pabo kigo dekha nimesher tare
Ei jibaner majhe
[You are beautiful, more beautiful, most beautiful,
Beauty unparalleled in the Garden of Eden.
Day and night may Thy Image abide
In the very depth of my heart.
Without You my eyes have no vision,
Everything is an illusion, everything is barren.
All around me, within and without,
The melody of tenebrous pangs I hear.
My world is filled with excruciating pangs.
O Lord, O my beautiful Lord,
O my Lord of beauty,
In this lifetime, even for a fleeting second,
May I be blessed with the boon to see Thy Face.]
[Você é belo, mais belo, belíssimo,
Beleza sem igual no Jardim do Éden.
Possa a sua imagem abrigar dia e noite
Nas profundezas do meu coração.
Sem Você, os meus olhos não possuem visão,
Tudo é ilusão, tudo é deserto.
À minha volta, no interior e no exterior,
A melodia da agonia tenebrosa eu ouço.
O meu mundo está cheio de dores excruciantes.
Ó Senhor, Ó meu belo Senhor,
Ó meu Senhor de beleza,
Nesta vida, mesmo por um fugaz segundo,
Que eu seja abençoado com a dádiva de ver a Sua Face.]